Em 1889 no dia 15 de novembro acontecia a Proclamação da República, e como nas palavras de Aristides Lobo, muito bem salientado pelo professor Murilo de Carvalho “O povo assistia a tudo bestializado”. Isso quer dizer que não houve uma participação popular neste evento. Entre outros motivos, este fato fez com que a alteração do regime enfrentasse turbulências consideráveis e oposição até mesmo entre republicanos. À frente do governo provisório, o marechal Deodoro da Fonseca tomava medidas enérgicas para conter os ânimos de insatisfação, fechando até mesmo o congresso logo após a promulgação da constituição e sua eleição indireta por parte dos congressistas.
Após o fechamento do congresso a situação ficou insustentável levando o presidente Deodoro da Fonseca à renúncia. Vale salientar aqui que segundo a própria constituição de 1891, caso o presidente ou o vice deixasse o poder antes de dois anos de governo, novas eleições deveriam ser convocadas, o que foi ignorado solenemente pelo Vice-presidente da República à época, o também marechal Floriano Peixoto, assumindo assim a cadeira da presidência.
O desafio de Floriano não foi muito diferente, e excetuando-se as elites que se beneficiavam da recém república, muitos grupos eram descontentes com o novo regime. A Marinha, uma força militar que na época era chamada de Armada, tinha em grande parte de seu contingente monarquistas e mostrava-se descontente com o novo regime também. Isso ocasionou a Revolta da Armada, que consistia em um movimento em favor da constituição de 1891 que exigia novas eleições presidenciais.
A primeira revolta aconteceu ainda em 1891, quando Deodoro fechou o congresso, já a segunda teve seu estopim em setembro de 1893 e foi gerada a partir de insatisfação com o governo de Floriano que adotava um modelo autoritário e sem o devido respeito às leis estabelecidas. Assim como seu sucessor, a reação de Floriano foi enérgica e violenta para conter esse movimento, assim como a revolução federalista que acontecia no Sul, o que lhe deu a alcunha de “Marechal de Ferro”. Esse primeiro período da república (1889 a 1894) ficou conhecido como “República da Espada”.
Essas explicações foram necessárias para o assunto que abordaremos agora, ou seja, a publicação de um texto de Antônio Joaquim de Macedo Soares em 26 de fevereiro de 1894 no periódico Correio da Tarde acerca das eleições que ocorreria em março. Macedo Soares era então ministro do Supremo Tribunal Federal e grão-mestre do Grande Oriente do Brasil. Esta publicação foi destinada a comunidade maçônica e trazia elementos de apoio ao governo estabelecido, assim como a sucessão designada.
Segue a publicação do texto na íntegra, e como de praxe meus comentários estarão em negrito para não serem confundidos com texto original.
ELEIÇÕES
AO POVO MAÇÔNICO
Na mais grave emergência em que se tem achado o paiz, julgo de meu dever dirigir-vos a palavra sobre as eleições que se tem de realizar no 1º de março próximo.
Não somos, como, bem sabeis, associação política; não acompanhamos corrilhos partidários; ao contrário, praticamos a virtude da tolerância das opiniões. Nada, porém, nos há de demover do direito de proclamar em voz alta os nosso deveres na sua mais elevada comprehenção.
Não agonisa a pátria, como apregoam mal inspirados Cassandras… Entretanto o momento é difícil: é o duello da monarchia com a democracia acolhida pelo paiz, e cumpre que se defina claramente a Maçonaria Brazileira.
Os dois parágrafos anteriores são ambíguos, já que Macedo Soares diz que a maçonaria não toma partido, mas coloca de forma antagônica a monarquia e a democracia, tomando claramente partido do poder estabelecido, ou seja, a república dos marechais.
Há em nosso seio nacionaes e estrangeiros. E aquelles particularmente que me dirijo como a quem mais aperta a obrigação de defender as instituições fundadas pelo nosso Glorioso grão-mestre, meu antecessor o marechal Manoel Deodoro da Fonseca em 15 de novembro de 1989 e tão enérgica e brilhantemente sustentada pelo seu sucessor, o Sr. Marechal Floriano Peixoto.
“Enérgica e brilhantemente sustentada” pelo poderio militar, pois como salientado anteriormente, uma parte considerável da população em geral era monarquista. O Golpe ao poder estabelecido não teve participação popular, apenas das forças armadas e políticos civis e militares, além de contarem com uma elite descontente com a coroa.
A desastrada revolta, iniciada em Setembro ultimo, com fim apparente de defender a constituição da Republica, mas golpeando-a, logo, in limine por sahir fóra dos moldes e processos constitucionaes da defesa do povo, clareou-se, como já se esperava, no intuito real – restauração da monarchia, do predomínio de uma família privilegiada, que sugava o suor do povo para ter o direito de viver na ociosidade, prolificando e gozando em santa paz os prazeres da vida, que a fortuna tanto nega aos operários honrados e carregados de família honesta.
Aqui se refere a Revolta da Armada (Segunda), ocorrida em 13 de setembro de 1893.
A maçonaria brasileira não pode deixar de condenar essa revolta, na qual infelizmente se acham implicados alguns illustres e respeitáveis irmãos do quadro, esquecidos da fraternidade maçônica e humanitária.
Novamente chamo a atenção para o parágrafo que o interlocutor diz que a maçonaria não toma partido, mas julga os maçons que se revoltaram contra o poder estabelecido como “esquecidos da fraternidade maçônica e humanitária”.
Temos de reconstruir o pessoal do governo político da nação, Membros do congresso distinctos do congresso federal apresentaram nomes dignos para os cargos de presidente e vice-presidente da Republica, senadores e deputados do districto federal e dos estados. Parece-me que foram bem inspirados; e essas indicações devem ser mantidas sem quebra aliás de um dos nossos dogmas essenciaes – a liberdade do pensamento, de opinião, de voto.
Liberdade de pensamento desde que não seja opositor ao governo autoritário estabelecido durante a República da Espada, ou monarquista.
Somos poucos; não passam talvez de tres mil os nossos votos alistados em todos os orientes; mas um só pode decidir de qualquer eleição, e cumpre que colloquemos á frente dos negócios públicos os homens que julgarmos mais dignos e capazes de realizar as theses da Constituição da Republica, que tanto se harmonizam com os princípios da Constituição da maçonaria.
Vamos votar!
O voto à época era restrito a uma parte significativa da população, e quem o podia votar não o fazia, pois existia uma aversão popular ao voto. Murilo de Carvalho (2019) diz que pouco significou o novo regime (república), já que 80% da população era excluída do processo eleitoral. Ainda nos informa que para a eleição da constituinte em 1890, apenas 28% do eleitorado votou.
Lembrando ainda que à época tínhamos uma república oligárquica, e que o voto ganhou a alcunha de “voto de cabresto”, onde os coronéis decidiam os destinos dos votos de seus “vassalos”, já que o sufrágio era público, podendo-se saber em quem determinado eleitor votou.
Dadas a informações acredito que o apelo ao voto, não era para expressar a democracia, e sim dar credibilidade e reconhecimento ao grupo social que comandava a república.
O grão-mestre
ANTONIO JOAQUIM DE MACEDO SOARES
CONCLUSÃO
Muitos maçons e não maçons têm a concepção de que a maçonaria age sobre a política, que decidimos o destino político brasileiro, ou que pelo menos temos influência para fazer valer os preceitos maçônicos de retidão, equidade, lealdade entre outros na sociedade em geral. Porém a História nos mostra justamente o contrário, que a fraternidade é usada pelos governos brasileiros ao longo das épocas. A maçonaria foi utilizada em momentos como a Independência do Brasil, onde membros da fraternidade de grande importância social apoiaram o movimento de independência, no próprio texto exposto aqui e a suposta imparcialidade de Macedo Soares em conclamar os maçons para a democracia, que na verdade era para a manutenção do status quo vigente, e em momentos mais recentes como a própria Ditadura Militar, como mostra CAMARGO (2014) ao analisar o filme Independência ou Morte, obra que explora a imagem da maçonaria, que mesmo não sendo intenção do diretor Carlos Coimbra, o filme serviu a propaganda do governo Médici. No mesmo artigo, o autor destaca para o título a frase “Os maçons são úteis ao regime” do personagem D. Pedro I no filme Independência ou Morte, fazendo uma clara alusão sobre como cada obra abordada no texto foi útil ao regime de seus respectivos países.
Diante dos fatos penso que existem formas mais eficientes e salutares da maçonaria atuar na sociedade. Enquanto construtores sociais, é mais válido se preocupar com políticas institucionais de apoio a sociedade, do que uma tentativa de influência no cenário político. Voltar-se a maçonaria, utilizar os ensinamentos da fraternidade para o aperfeiçoamento pessoal, praticar beneficências para com pessoas em estado de vulnerabilidade, auxiliar na educação pública entre outras infinidades de bons exemplos que carregam nossa história, poderá ajudar na construção de bons cidadãos que poderão exercer influência positiva na política, e aí sim contribuir de forma efetiva para o progresso de nossa sociedade.
Referências
HIGA, Carlos César. “Revolta da Armada”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/revolta-armada.htm. Acesso em 04 de outubro de 2021.
RIO, João do. A Alma encanadora das ruas. Domínio Público. 1908.
CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. – 4ª ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
CAMARGO, Felipe Côrte Real. Os maçons são úteis ao regime”: Uma análise das representações sobre a francomaçonaria nos filmes Les forces occultes (1943); Independência ou Morte (1972) e Un borghesse piccollo piccollo (1977). Disponível em: http://www.encontro2014.sc.anpuh.org/resources/anais/31/1405911890_ARQUIVO_Felipe_Corte_Real_de_Camargo_-_ST005.pdf. Acesso em outubro de 2021.