Em uma época em que o racismo estrutural está presente em nosso dia a dia, por uma série de fatores, mormente relacionado a abolição da escravidão tardia, é reconfortante encontrar no seio da maçonaria, grandes nomes do movimento de libertação do negro. Porém existiram agentes menos expressivos, mas que fizeram muito pela causa, como é o caso de José Mariano Carneiro da Cunha.
Nascido em 08 de agosto de 1850, este nobre irmão de maçonaria formou-se na Faculdade de Direito de Recife em 1871. Teve uma juventude agitada, pois era membro ativo do partido liberal, além de editor chefe do Jornal “A Província” que era um braço deste partido.
A década de 1870 foi marcada por uma série de embates entre o Império e a Igreja Católica, eclodindo inclusive na prisão de Frei Vital, bispo de Olinda, que além desse e dentre outros fatores acabou ocasionando a chamada “Questão Religiosa” (Pode ser conferida aqui), e José Mariano utilizava o jornal para fazer diversas denúncias contra o despotismo da Igreja, principalmente contra os Jesuítas em relação aos maçons. As denúncias eram diversas, principalmente as negativas de organismos da igreja em batizar, casar e realizar velórios de membros da Maçonaria, ou de quem eles julgassem não estar de acordo com a doutrina católica.
A militância de José Mariano junto a populares, com discursos inflamados ocasionou em quebra quebra na cidade de Recife. Exigiam expulsão dos Jesuítas do Império do Brasil, chegaram a embates com a guarda imperial. Tudo em nome da liberdade de expressão, mas sempre frisando pacificidade em seus movimentos. O próprio José Mariano em seu jornal condena os episódios da violência das manifestações em 14 e 16 de maio de 1873 que resultaram na invasão do Colégio Jesuíta e na devassa feita na redação do Jornal católico “A União”, o qual teve seu prelo destruído e mobília e papéis levados a duas piras, que nas palavras da época foram “verdadeiros autos de fé”.
O jovem advogado ainda foi eleito deputado pela província do Leão do Norte exercendo mandatos de 1878 a 1885.
Mas não foi só a sua luta contra um despotismo católico da época e carreira política que marcou sua vida, pois junto a sua esposa Olegária Carneiro da Cunha fizeram muito pela causa abolicionista. Há muitos relatos e acervo documental informando que o casal muita das vezes recolhia escravos fugidos na rua e os abrigava em casa até que a “poeira baixasse” para embarca-los para o Ceará, província em que a abolição já tinha sido instituída desde 1884. José Mariano, além da maçonaria fazia parte de uma organização secreta chamada Clube do Cupim, que tinha por objetivo libertar escravos do jugo de seus senhores, por compra de alforria ou mesmo facilitando a fuga. Inclusive a casa dos Carneiro da Cunha servia de refúgio para os escravos recolhidos pelo grupo.
Após a proclamação da república, Jose Mariano da Cunha Carneiro atuou como deputado federal de 1891 a 1899, figurou na primeira constituinte do Brasil República, mas chegou a ser preso em 1893 por fazer um manifesto em seu jornal contra o segundo presidente, Marechal Floriano. Com o advento da morte de sua esposa em 1898, José Mariano deixa a vida política e em 1903 é nomeado oficial de registro de títulos pelo presidente Rodrigues Alves, assumindo um cartório no Rio de Janeiro. Em 1909 voltou a política, mas dessa vez no lado conservador, fundando o Partido Republicano Conservador, sendo eleito em 1912 como deputado federal, mas logo após assumir as funções parlamentares, falece em junho do mesmo ano.
O irmão José Mariano da Cunha Carneiro fazia parte do quadro da Loja maçônica Conciliação, que após a fusão fracassada de 1872 entre o Grande Oriente do Brasil (GOB) e Grande Oriente ao Vale dos Beneditinos, a mesma ficou sob a batuta de Saldanha Marinho no Grande Oriente Unido do Brasil (Beneditinos). Sua primeira aparição no boletim dessa obediência está no volume de janeiro de 1873, o qual é transcrito um trecho do Jornal de Recife narrando a atuação de José Mariano em um texto denunciando “a tendência dos jesuítas para o governo absoluto”. No boletim de fevereiro e março do mesmo ano, o jornalista consta na lista de assinaturas em uma carta de protesto contra o GOB em favor dos Beneditinos. Em junho de 1873 as lojas maçônicas Segredo e Amor da Ordem, Seis de Março de 1817 e Regeneração fizeram uma homenagem a José Mariano pela sua atuação frente aos protestos contra a Igreja Católica.
Após as diversas lutas travadas entre o GOB e os Beneditinos, em 1882 chegam a uma pacificação, reunificando-se em um só. Com isso algumas lojas pernambucanas, incluindo a Loja Segredo e Amor da Ordem, não aceitam a unificação e rebelam-se, por isso fundam o Grande Oriente do Norte do Brasil tendo Jose Mariano da Cunha Carneiro como seu Grão Mestre em 1894. Essa obediência durou até 1889. A Loja Segredo e Amor da Ordem cai em ostracismo e só retorna as atividades em 1895, filiando-se ao GOB, tendo José Mariano figurando em seu Quadro.
Nos boletins do Grande Oriente do Brasil José Mariano aparece no volume de maio de 1891, tendo seu nome exaltado ao lado de outros abolicionistas em comemoração ao 13 de maio, e depois figura na relação de membros efetivos da assembléia geral daquela obediência em setembro de 1895.
CLUBE DO CAPIM
Em 15 de outubro de 1884 foi fundado o Clube do Cupim, uma sociedade iniciática que como falamos anteriormente, tinha objetivo de libertar escravos. Seja pela forma da lei, geralmente por compra de alforria ou clandestinamente, escondendo os fugitivos e os transportando secretamente para a província do Ceará que a esta altura já tinha abolido a escravidão.
A cerimônia de iniciação consistia no candidato em realizar 13 tarefas, que após passar por elas, bebia uma bebida fermentada de origem indígena chamada Aluá, e fazia seu juramento ajoelhado nas areias do mar, com a mão direita sobre algo como uma bengala.
Assim como em muitas ordens iniciáticas, possuía palavras passes, sendo duas conhecidas como “destruir sem rumor” e “amor a pátria”.
Hierarquicamente o clube era organizado em 20 sócios fundadores, capitães e sub-capitães. Os sócios tinham pseudônimos equivalente as províncias brasileiras, dentre eles José Mariano (Espirito Santo). Os membros do clube carregavam como insígnia um espelho com uma fita, e isso os distinguia perante a sociedade pernambucana.
Com o fim da escravidão em 13 de maio de 1888, o clube perdeu a razão de o ser, mas pouco antes do término no dia 25 de abril, o clube organizou uma fuga em massa de 119 escravos, abrigando-os no palacete de José Mariano e depois os embarcando rumo ao Ceará.
Referências:
Site da Loja Segredo e Amor da Ordem – Nº 142. NOSSA HISTÓRIA. Disponível em: https://www.arlssao142.org.br/nossahistoria. Acesso em junho de 2020.
MESQUITA, Mariana. Clube do Cupim: placa dá pistas sobre lugar que foi marco da luta contra a escravidão. Disponível em: https://poraqui.com/aflitos-e-espinheiro/clube-do-cupim-placa-da-pistas-sobre-lugar-que-foi-marco-da-luta-contra-a-escravidao/amp/. Disponível em junho de 2020.
BRAGA, Flávia. ROENDO A MADEIRA DA ESCRAVIDÃO – O Club do Cupim como espaço de luta política (Pernambuco, 1884-1888). Disponível em: file:///C:/Users/clove/Downloads/26.BRAGA,%20Fl%C3%A1via.pdf. Acesso em junho de 2020.
SUASSUNA. Marina. Conheça o casal abolicionista que escondia escravos no Poço da Panela. Disponível em: https://poraqui.com/aflitos-e-espinheiro/clube-do-cupim-placa-da-pistas-sobre-lugar-que-foi-marco-da-luta-contra-a-escravidao/amp/. Acesso em junho de 2020.
UFPE. Você sabe quem foi José Mariano Carneiro da Cunha?. Disponível em: https://www.ufpe.br/arquivoccj/curiosidades/-/asset_publisher/x1R6vFfGRYss/content/voce-sabe-quem-foi-jose-mariano-carneiro-da-cunha-conheca-um-pouco-mais-da-vida-de-um-dos-principais-nomes-do-movimento-abolicionista-pernambucano-/590249. Acesso em junho de 2020.
Uma resposta em “José Mariano da Cunha Carneiro – Membro Efetivo do Clube do Cupim”
Excelente pesquisa. E muito pertinente pros dias atuais. Parabéns!