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História da Maçonaria no Brasil

José Bonifácio – Herói ou Vilão sob a ótica Maçônica?

Ao decorrer desses dias, um pequeno vídeo ganhou espaço e viralizou entre muitos grupos de maçons. A mídia digital em questão trata-se de uma cena da novela “Novo Mundo” que retrata a época da formação do Império do Brazil (era assim que se escrevia a época).

O pequeno trecho do vídeo que não tem mais que dois minutos mostra uma festa nobre, do qual José Bonifácio, interpretado por Felipe Camargo desfaz uma injustiça contra um convidado negro que não era servido pelo garçom. Bonifácio toma a bandeja e vai servir o convidado excluído pelo serviçal, e pede desculpas pela deselegância. Então ao se cumprimentarem, o personagem  Libério da Silveira interpretado por Felipe Silcler se apresenta como maçom, ambos ficam contentes, conversam um pouco e a cena termina.

Até aí nada errado, afinal Bonifácio era um conhecido maçom, e como tal deveria sempre amenizar a dor dos menos favorecidos, mas devido as minhas arrastadas pesquisas sobre História e principalmente sobre nossa Fraternidade, estranhei o contexto todo da cena e o que mais me incomodou foi a quantidade de Irmãos maçons compartilhando o vídeo que em minha opinião ovaciona a pessoa de José Bonifácio e sua qualidade como maçom. Explico o porquê.

O pai da pátria, como é conhecido o famoso personagem, nem de perto foi essa “Coca-Cola” toda, digo, no sentido humanitário, pois sabemos de suas qualidades como cientista político, estadista e administrador. Supostamente um dos maiores abolicionistas de nossas fileiras, Bonifácio escreveu uma representação para a primeira assembleia constituinte com um projeto de lei que gradativamente acabaria com o tráfico negreiro. Alguns me perguntarão “Mas Cloves, isso não era uma coisa boa?”, Então eu respondo a  você caro leitor, que “depende”. Bom pra quem? Para os escravos que continuariam a serem escravos? Sendo que existiam outros homens e principalmente maçons que queriam acabar com a escravidão de imediato, como por exemplo, Gonçalves Ledo.

Para deixar clara a condição dúbia de abolicionista de Bonifácio transcreverei trechos da citada representação a favor dos negros e farei comentários em negrito.

Na representação feita para a constituinte, Bonifácio condena a escravidão e até denuncia que éramos a “Única nação de sangue europeu que ainda comercia clara e publicamente escravos africanos”, até aí é um “homão da porra”, mas no mesmo manifesto ele faz as seguintes declarações:

“Eu também sou cristão, filantropo e Deus me anima para ousar levantar a minha fraca voz no meio desta augusta assembleia a favor da causa da justiça, e ainda da sua política, causa a mais nobre e santa, animar corações generosos e humanos.”

Modesto, não? Faz lembrar alguns políticos no plenário falando de sua própria moral.

“Mas como poderá haver uma Constituição liberal e duradoura em um país continuamente habitado por uma multidão imensa de escravos brutais e inimigos?”

Nesse trecho ele parece bonzinho, mas na opinião deste articulista (Alô Joaquim da Silva Pires), Bonifácio se mostra frio manipulador. Afinal o abolicionista não queria a liberdade do negro, ele estava querendo amenizar os grilhões para os negros não se revoltarem e continuarem a serem escravos.

“Torno a dizer porém que eu não desejo ver abolida de repente a escravidão; tal acontecimento traria consigo grandes males. Para emancipar escravos sem prejuízo da sociedade, cumpre fazê-los primeiramente dignos da liberdade: cumpre que sejamos forçados pela razão e pela lei a convertê-los gradualmente de vis escravos em homens livres e ativos. Então os moradores deste Império, de cruéis que são em grande parte neste ponto, se tornarão cristãos e justos, e ganharão muito pelo andar do tempo, pondo em livre circulação cabedais mortos, que absorve o uso da escravatura: livrando as suas famílias de exemplos domésticos de corrupção e tirania; de inimigos seus e do estado; que hoje não têm pátria, e que podem vir a ser nossos irmãos, e nossos compatriotas.”

Olha o administrador frio e calculista que eu falei mostrando as garras.

Abaixo listarei apenas dois artigos do projeto “abolicionista” de Bonifácio, que exprime bem a real intenção.

“Artigo 1º – Dentro de quatro a cinco anos cessará inteiramente o comércio da escravatura africana; e durante este prazo, de todo escravo varão que for importado se pagará o dobro dos direitos existentes; das escravas porém só a metade; para se favorecer os casamentos.”

Como vimos anteriormente, o corpo do projeto visa proibir o comércio de negros e não a libertação.

“Artigo 24° – Para que não faltem os braços necessários à agricultura e indústria, colocará, o governo, em execução ativa, as leis policiais contra os vadios e mendigos, mormente (principalmente) sendo estes homens de cor.”

Precisamos de força de trabalho gratuita e mansa. Vadios não pode, se for homem de cor nem pensar!

Bem manos e leitores. As citações e artigos do projeto de lei pautado acima, ao meu entender seria uma bela cartada para manter trabalhadores sem remuneração e sem causar transtornos aos seus algozes e não um projeto filantrópico para libertação do negro. Bem diferente de um homem que toma salgadinhos de um garçom para servir a pessoas de cor diferente da sua em uma festa com muitos figurões.

Agora vamos analisar o maçom José Bonifácio baseado em um texto de uma obra intitulada “ANNAES MAÇONICOS FLUMINENSE – TOMO I”, impresso pela tipografia Seignot –Plancher” de 1832, sobre a maçonaria, no mesmo esquema apresentado acima. O que for do texto estará entre aspas e meus comentários em negrito. Lembrem-se que o documento será transcrito com o português da época de forma a não perder a originalidade.

Capa do documento chamado “INNAES MAÇONICOS FLUMINENSE – TOMO I de 1832.

“Os membros mais influentes do Governo, e que também occupavão os primeiros cargos na Maçonaria, para os quaes não havia segredo algum, forão como víboras aquecidas no seio dos seus amigos, que bem depressa ferrarão venenosos dentes nas suas entranhas. A ingratidão começou a desenvolver sua actividade , posto que ainda disfarçada, desde que o Principe Regente se iniciou Mação na Loja Comercio e Artes, e foi pouco tempo depois investido no Cargo de Grão Mestre, facto este, que sobremaneira irritou o primeiro nomeado (José Bonifácio), e que chamou a mais obstinada perseguição sobre o Irmão (Gonçalves Ledo), que em boa fé e com vistas na maior prosperidade da Maçonaria, e da Patria, o propusera.” (…)

Esse documento era bem recente para época em relação aos acontecimentos, e relata o melindre de Bonifácio em relação a Gonçalves Ledo ter proposto o nome de Dom Pedro I para o Grão Mestrado.

“O Governo fingia aprovar as doutrinas Constitucionaes, que se emitião aos povos pelo Reverbero (Reverbero Constitucional Fluminense, jornal emancipacionista de Ledo e Januário da Cunha Barbosa) (…) O Governo estava ao facto dos bons serviços dos Mações, e aprovava tudo quanto se fazia em prol da Independencia e da acclamação do Imperador; e entre tanto seus principais membros creavão huma nova Ordem, que chamarão Apostolado (Bonifácio e cia), e para qual recrutavão dentre os Mações os que julgavão mais aptos aos seus fins particulares, e também aquellas pessoas, que parecião não muito firmes nos princípios Constitucionaes.”

Essa parte é fundamental para o entendimento de que Bonifácio montou uma Ordem dentro da Ordem de acordo com os seus ideais conservadores, que conflitavam drasticamente com os ideais republicanos e liberais de Ledo.

Os Chefes do Apostolado virão chegando o momento de rasgar a mascara, atterrarão o povo enibindo-o com inventadas descobertas de negras e horrorosas conspirações contra a forma de Governo e contra a pessoa do Imperador, há poucos dias aclamado por esses mesmos (maçons)(…) Fizeram mais, comprarão, e puzerão em campo gente desprezível, a quem chamarão povo, para pedirem voz em grito, a cabeça dos que mais havião servido as esses tigres refadados (…) Fizeram mais; mandrão as Provincias prender, como reos de alta traição, os Mações enviadoscomo já se disse, algum dos quaes regressava contente do bom desempenho de sua missão(…) Fizeram mais, mandarão abrir devassa sobre o suposto crime de conspiração, que só se dava na perfídia de tão indignos Irmãos, Nessa devassa em que apparecem as maiores monstruosidades forenses, e em que á cada pagina respira o ódio sanguinário dos que nella influirão, foram pronunciados muitos daqueles Mações, que mais zelo mostrarão, pela Independencia do Brazil e acclamação do imperador. (…)

Nessa parte do texto, fica claro que o Andrada não só criou uma ordem para seus partidários dentro da maçonaria, como também para trair seus irmãos maçons, perseguindo-os e inventando calúnias para prejudica-los.

No dia 29 de Outubro de 1822, dia da eterna vergonha para o Governo do Brazil daquella época, fecharão-se as Lojas, e interromperão-se os trabalhos Maçônicos pelos motivos apontados(…)

E no último parágrafo arremata, dando a entender que Bonifácio e seu clube particular para fins escusos, ou seja, o Apostolado, conseguiu o seu maior objetivo, que foi fechar a Augusta Fraternidade dos Pedreiros Livres, eliminando assim seus desafetos.

Analisando tudo que foi exposto sobre a vida política e Maçônica de José Bonifácio, chego a conclusão que a imagem de abolicionista e de bom maçom que foi exibida na novela “Novo Mundo” não é compatível com a realidade aqui apresentada. Digo mais, não havendo nenhum motivo para maçom algum ovacionar o que acredito ter sido o maior traidor da Maçonaria Brasileira.

Referências

  • ANNAES MAÇONICOS FLUMINENSE – TOMO I. Rio de Janeiro. Tipografia Seignot –Plancher, 1832.
  • A abolição no parlamento: 65 anos de luta (1823-1888). Apresentação do presidente José Sarney – 2ª ed. Brasília : Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2012.

Imagem de Capa – Imagem da novela “Novo Mundo” apresentada pela Rede Globo de Televisão

Por Cloves Gregorio

Cloves Gregorio, 37 anos, casado com a senhora Gislene Augusta, Pai do Menino Átila, Historiador, Professor e editor de livros, Venerável Mestre de Honra (Past) da ARLS UNIÃO BARÃO DO PILAR Nº21 Jurisdicionada ao GORJ, filiada a COMAB. Na Obediência já exerceu os cargos de Grande Secretário Adjunto de Cultura e Ritualística e Grande Secretário Adjunto de Comunicação e Informática.

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