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Existiram Maçons Operativos no Brasil? Um passeio pelas construções e seus trabalhadores no Brasil Colônia

Pouco se sabe ou se estuda acerca dos construtores no Brasil Colônia, e quando se fala em construção e arquitetura destaca-se apenas os mestres famosos, tais como Mestre Valentim, Aleijadinho e etc, porém existia um mundo em torno do santo ofício da cantaria do qual pretendo esflorar um pouco aqui.

Quando se tratava de obras públicas no Brasil Colônia, havia um sistema complexo de projetos que muitas das vezes tinham de ser aprovadas por um conselho Ultramarino em Portugal, que era viabilizado através de funcionários da Coroa, resultando assim dessas comunicações de além do mar riscos (de riscado), traças (de traçado), plantas, orientações, prestação de contas e inúmeros papéis que um canteiro gerava. Esses documentos (hoje acervo do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa) nos trazem uma gama de informações que serão importantes para nosso estudo aqui. Se tratando de obras eclesiástica, esta era submetida ao que se chamava Mesa da Consciência e Ordens (Que também estava do outro lado do Oceano) que se tratava de um organismo criado por D. João III para cuidar de assuntos eclesiásticos e da justiça.

Desenho atribuído a Rodrigo Franco Architecto das Ordens, com especificações sobre o retábulo a ser reproduzido na Matriz de casa Branca. Exemplo de circulação Ultramarina. Disponível em: https://www.scielo.br/img/revistas/anaismp/v20n1/html/a11fig02-05.html. Acesso em Janeiro de 2018.

Aos apressadinhos que já pensaram “Nossa, olha essa imagem e o Delta luminoso no retábulo! Clovão já respondeu a pergunta proposta!”, eu peço calma. Como dito anteriormente o desenho veio de Além do Mar, logo, se Rodrigo Franco foi maçom, não o foi no Brasil. Porém, muita água vai rolar ainda até o final desta matéria.

Antes de continuarmos é interessante observar que a colônia estava em crescimento em pleno século XVIII, então junto com os colonizadores chegaram os pedreiros com suas técnicas de construção, afinal com o Governo de Marques de Pombal vinha o desenvolvimento e a necessidade de novos edifícios, tantos públicos quanto privados.

Em trabalho sobre Produção de arquitetura no Brasil colônia, a Professora Beatriz Piccolotto (2012) nos informa que o historiador de arte norte-americano Robert Chester Smith nos alerta para os livros de tombo[1], pois estes constituem um campo fértil para o estudo da arte colonial, do qual destaca “Termos de Alinhamento e Vistorias, Registros de Atas da Câmara, Cartas de Exames de Ofícios Mecânicos, Licenças de Ofícios Mecânicos, Arrematação de Obras e Contratos, Registros de Marca de Ourives e Entalhadores (Eu li Marcas???), Registros de Pagamentos pelo Senado, Registros de Posturas, Provisões do Governo, Provisões do Senado e Cartas do Senado endereçadas ao Conselho Ultramarino”, nos explicita também que existia uma gama de trabalhadores que “Na ausência de grandes arquitetos, chama a atenção para a plêiade de oficiais mecânicos que nos legaram obras primorosas e de assinatura múltipla, ainda hoje carente de investigação.”. É sobre esses personagens que vou dar atenção especial, afinal quem eram? Onde viviam? O que faziam? Assista sexta no … Não, pera!

Segundos os professores Jorge Eduardo Lucena Tinoco e Dr. Roberto Antônio Dantas de Araújo em texto sobre o ofício de pedreiro (2007) nos esclarecem que:

“(…) os pedreiros estavam organizados em uma ‘confraria’ (Confraria e Irmandade de São José), pelo menos desde a segunda metade do século XVII. Esta instituição seguia o modelo das organizações de ofícios medievais europeias, embora adaptada à realidade colonial cheia de restrições, já que possuía uma vertente religiosa enquanto ‘irmandade’ para subsistir.

Em Recife, havia uma igreja própria onde os pedreiros se reuniam e deliberavam sobre questões do ofício e problemas relacionados com a vida privada dos associados, como enterros, empréstimos ocasionais, etc. Para tanto, possuíam uma espécie de estatuto (ou “regimento”) escrito e democraticamente ‘confirmado’ por voto secreto .”.

Imagem constante na Igreja de São José de Botas, Tamandaré – PE. Imagem disponível em: https://1.bp.blogspot.com/-4COcZnqEJDA/VdOBv90_AuI/AAAAAAAAAKM/uXM8wFGb7NI/s1600/brasao-maconico-em-igreja-catolica.jpg. Acesso em Janeiro de 2018.

O modelo descrito acima muito se assemelha as corporações de ofício que deram origem a maçonaria nos dias de hoje, por isso muitos acreditam que, muitos inclusive confundem os símbolos relacionado a São José (acima) com os da Maçonaria.

Fontaine de la Place du Palais a Rio de Janeiro, Luis Pierre Alphonse. Disponível em: https://issuu.com/marciamattos/docs/catalogo_mestrevalentim_com-capa. Acesso em janeiro de 2018.

Uma informação bacana é que essas corporações, assumindo um aspecto religioso tiveram um papel inclusivo, principalmente na região de Pernambuco, pois a partir de 1775 em um cenário escravista, permitia-se que pardos e negros ocupassem cargos de Mestres de Ofício. Mas essa situação não ocorria em todos os estados, pois em Minas Gerais mesmo era regra que os Mestres de Ofícios fossem brancos e portugueses natos. (Sim, Mestre Aleijadinho era exceção).

Assim como em Minas Gerais, no Rio de Janeiro possuía um Artista mestiço único naquela época. Filho de um nobre Português com uma negra, Valentim da Fonseca e Silva, mais conhecido como Mestre Valentim foi um Artificie incomparável, autor de diversas talhas monumentais, chafarizes e até mesmo pirâmides em meio a cidade maravilhosa, foi responsável até pelo projeto original do Passeio Público, do qual engendra lendas até os dias de hoje. Essa personalidade chamou minha atenção em particular quando fui visitar a Imperial Irmandade Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, do qual ele era um membro célebre e por isso foi encatedrelado[2] nesta Igreja. Nela existe uma placa em bronze em comemoração aos 100 anos de encatedrelamento do Mestre Valentim, do qual no canto inferior direito há um compasso e um esquadro. Desde então pesquisei arduamente, qualquer ligação que este mestre pudesse ter com a Augusta Fraternidade que faço parte.

Foto tirada em minha visita a Imperial Irmandade Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos em 2017.

Foto do piso onde Mestre Valentim foi encatedrelado

Foto minha ao lado do Icônico Chafariz em forma de Pirâmide. Sim ele gostava de chafariz e pirâmide em 2017.

Foto minha no Passeio público com as pirâmides de Mestre Valentim ao fundo em 2017.

Foto do chafariz dos Jacarés tirada por mim em visita ao Passeio Público em 2017

Fui a pesquisa de campo procurar qualquer marca que ele pudesse deixar como um bom e fiel companheiro, porém não encontrei nada que pudesse comprovar sua identidade Maçônica. Exceto a afirmação da Doutora em História da Arte pela Universidade de Coimbra, Anna Maria Fausto Monteiro de Carvalho (2015) em seu texto Mestre Valentim: Vida e Obra. Daí vocês podem perguntar “Mas Cloves, em seu Livro Maçonaria Tupiniquim, você afirma que a primeira Loja Maçônica que houve no Brasil foi fundada na Bahia em 1797. Como seria possível?”, eu vos repondo! O que muitos não sabem é que Mestre Valentim nasceu no Brasil, mas viveu e se formou em Portugal e aos 25 anos de idade voltou às terras tupiniquins, onde trabalhou permaneceu até o ano de sua morte em 1813. Logo ele poderia ter iniciado na Maçonaria em Portugal, ou no final de sua vida aqui no Brasil. Eu procurei saber com um irmão filiado ao Grande Oriente Lusitano, mas até o fechamento dessa matéria não houve confirmação do Mestre ter pertencido a esta Obediência.

Conclusão
Se você considerar que construtores do passado que dominavam técnicas de geometria e afins eram maçons operativos, a resposta será sim. Mas se considerar que para ganhar a alcunha de maçom o sujeito deveria passar por qualquer tipo de ritual iniciático, a resposta será sempre duvidosa. Porém, levando em consideração que a Maçonaria como  conhecemos hoje, descende de guildas de construtores, não podemos negar que todo bom maçom se encanta com qualquer um que tenha desempenhado o santo ofício da construção com maestria.

Referências

BUENO, Beatriz Piccolotto Siqueira. Sistema de produção da arquitetura na cidade colonial brasileira – mestres de ofício, “riscos” e “traças”. 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142012000100011. Acesso em Janeiro de 2018.

TINOCO, Jorge Eduardo Lucena. ARAÚJO, Dr. Roberto Antônio Dantas de Araújo Ofício do Pedreiro. 2007 Disponível em: https://www.ceci-br.org/ceci/br/component/content/article/367-oficio-do-pedreiro.html. Acesso em Janeiro de 2018.

CARVALHO. Anna Maria Fausto Monteiro de. Mestre Valentim: Vida e Obra. 2015. Disponível em: https://issuu.com/marciamattos/docs/catalogo_mestrevalentim_com-capa. Acesso em janeiro de 2018.

 


[1] Livro constante nas paroquias que registravam desde a biografia do pároco até atividade significativa da comunidade.

[2] Palavra inventada pelo meu Amado Irmão Alexandre Kappaun, utilizada por mim no sentido de ser sepultado dentro de uma catedral.

Imagem de Capa – Imagem da Igreja de São José de Botas, Tamandaré – PE. Imagem disponível em: https://2.bp.blogspot.com/-hxFHT3JA8GY/VdOBwEs354I/AAAAAAAAAKQ/BAjqtzISiYs/s1600/maconaria-em-igreja-cat%25C3%25B3lica.jpg. Acesso em Janeiro de 2018.

Por Cloves Gregorio

Cloves Gregorio, 37 anos, casado com a senhora Gislene Augusta, Pai do Menino Átila, Historiador, Professor e editor de livros, Venerável Mestre de Honra (Past) da ARLS UNIÃO BARÃO DO PILAR Nº21 Jurisdicionada ao GORJ, filiada a COMAB. Na Obediência já exerceu os cargos de Grande Secretário Adjunto de Cultura e Ritualística e Grande Secretário Adjunto de Comunicação e Informática.

2 respostas em “Existiram Maçons Operativos no Brasil? Um passeio pelas construções e seus trabalhadores no Brasil Colônia”

Gostei muito da matéria. Gostaria de adquirir o livro Maçonaria Tupiniquim, como fazer?

Olá Irmão Jose Carlos, boa tarde! Desculpe a demora, mas eu estava em período de férias. O livro Maçonaria Tupiniquim está esgotado, mas há a opção de eBook, ou seja, formato digital no site da Amazon do qual colocarei o link abaixo. Se sua preferência é o livro físico mesmo, estou conversando com meu editor a viabilidade de uma segunda edição

Um Fraternal Abraço,

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Cloves Gregorio

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